sábado, 18 de julho de 2015

Esquecimento



Foi hoje, exatamente, que bateu aquela saudade. Justamente quando eu acreditava que tudo estava arrumado. Que tudo que te pertencia já tinha saído do lugar. Que eu não encontraria nenhum vestígio, nenhum verso da sua existência dentro de mim. Foi hoje, durante uma breve lembrança. Tive aquela sensação de que poderia caminhar no lago. Que a travessia seria rasa e rápida. Mas, não. Quanto mais eu caminhava na tua imagem, mais fundo ficava. Lembrei-me do teu cheiro, do teu toque e da sensação de estar protegido.

A saudade deu sinais e eu comecei a escutar a tua voz, bem de longe... Um pouco menos distante daquele lugar onde você resolveu se asilar. A tua voz me chamava e eu continuava molhando os pés e, em questões de segundos, a água me alcançou os joelhos.

Lembrei das nossas tardes de domingo, da nossa paz e do nosso silêncio, que nos dizia tanto. Da nossa vontade de adoçar a vida parada que nos deixava cômodos. Lembrei-me do brigadeiro de panela que fazíamos e de você reclamado porque eu cozinhava tão bem, prevendo mais uma sabotagem da dieta número vinte e três. Às vezes, misturávamos tudo com pipoca, enquanto brigávamos para escolher mais um filme. Você queria os dramas e eu, sutilmente, queria te ensinar a assistir filmes de ação. Era o meu desejo de, talvez, ser teu professor, mesmo que, ao final, terminássemos escolhendo o título de sua preferência, invariavelmente. 

Era quase sempre assim. E eu gostava, mesmo que não assumisse. E, aí, você sorria. Lembrei-me do seu sorriso. E, somente pelo seu sorriso, a água me bateu no peito.

Eu poderia, naquele instante, com frio, voltar para onde eu estava. Mas lembrar de você sorrindo pra mim, com aquele olhar que me encorajava a enfrentar o mundo, me fez caminhar ainda mais rápido em direção àquela saudade descontrolada.  

Do seu riso verdadeiro, veio à lembrança do beijo molhado, firme e forte. Aquele beijo tão completo que, nesses anos todos de busca pela mesma perfeição, ainda não encontrei substituto. Por mais cruel que possa parecer para as outras bocas, é impossível não remeter a você o gosto suave da lembrança, a essência daquela troca que estremecia o corpo inteiro. Esse entorpecimento vagueava de fora pra dentro para, em seguida, voltar para fora ainda mais forte e intenso.

Quando dei por mim, meu corpo já estava inundado pela saudade. O lago e as lágrimas se misturavam com as lembranças.

Olhando pra cima, via refletido o seu rosto. E você sorria. Nadei desesperadamente de volta à superfície em busca do seu gosto. Respirei fundo e despertei. Voltei a arrumar as coisas e tirar o que restava de você nos lugares internos dos quais você escolheu sair.

Talvez a sua imagem na superfície fosse um alerta... Um sinal. Percebi que, até durante o processo de esquecimento, era você quem me lembrava de que a vida segue, que tudo passa e eu preciso de ar puro e fôlego novo para seguir. Talvez.

A única certeza é de que você, nesse imenso lago, tem passado - mesmo presente.


Eddi Abbehusen
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Jornalista em formação pela Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB).